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Um Duelo

 

A tristeza, a amargura, o vazio, a angústia, compõem o manto da insatisfação que o cavaleiro solitário arrasta ao longo do seu dia a dia. A jornada que lhe fora atribuída transforma segundos em horas fatídicas e penosas que assaltam, sem piedade, seu espírito, sua alma, seu eu.

 

Que este sonho faça-se materializar,

Que minha vida torne a agradar.

 

Neste momento, apenas o silêncio e o vento. Instantes depois, seu olhar de abandono torna-se caçador ao ouvir uma réplica a ecoar entre as robustas árvores.

 

Qual encantamento admoesta teu nobre coração, cavaleiro das sombras?

 

Ele olha ao redor; conclui como algo imaginário e insiste:

 

Esta solidão proveniente de guerras

Arrebata sentimentos de outrora

Transformando sonhos em secas terras

Sem o sabor doce de uma ardente aurora.

 

Atento a alguma resposta, nada escuta. Seus olhos procuram por algo indescritível, entretanto, constata a inexistência de qualquer vida próxima a ele.

Ainda sim, teima em duelar.

 

Vejo o horizonte resplandecer a minha frente

Nada posso fazer e também nada a negar

Entristecido dessa vida; torno-me ausente,

Até mesmo ao modo de respirar.

 

Finaliza com suspiro e uma e outra lágrima que deslizam, paulatinamente, pelas cicatrizes profundas em seu rosto. E ouve a voz majestosa que responde:

 

Insatisfação tenaz arrebata tua alma

Duelas perdido como um nada

Questiona a si e porque te calas?

Imploras ajuda sem nenhuma calma.

 

Aquiete teu coração, cavaleiro sombrio!

Aceite teu duelo com mansidão

Desfrute do instante com a razão

Sem se perder pela emoção.

 

O cavaleiro se acomoda junto ao poderoso carvalho que desenha sombras em seu entorno. Então, o guerreiro já cansado pelas infinitas labutas e contendas, se harmoniza com a delicada brisa que o acaricia junto à face. Agora, ele de olhos cerrados e aparência descontraída, transmite a ideia de que a própria alma aproveita o ensejo e se desnuda diante do frescor sublime que o acalenta. O minuto torna-se infinito ao som de lindas melodias de pássaros que habitam naquelas folhagens.

Após vagar pelos labirintos secretos do próprio eu, admirado, ele se ergue, se afasta um pouco daquela nobre árvore, abre os braços, levanta a cabeça com o olhar fixo na direção do céu e pergunta:

 

Quem argumenta aos meus questionamentos?

Quem propõe tal prerrogativa para minha recusa?

Quem discorda sem tentar me entender?

Quem propõe aceitação ao meu dia a dia?

 

Ao pronunciar tais palavras, ajoelha-se, encosta a própria testa à terra coberta de folhas secas, estende sobre as mesmas seus braços numa expressão de fadiga e, com as mãos, enche-as de folhas apertando-as com toda sua força para finalmente desabafar um grito de pavor e revolta que ecoa em todas as direções.

Alguns segundos de silêncio.

Permanece atento ao mínimo som. E nada acontece, nada ouve, nada enxerga além do seu campo visual. Ergue-se, ajeita sua espada e se desloca em direção ao seu fiel companheiro de tantos embates. Seu corcel negro com olhar tímido e humilde apenas o observa. O homem valoroso se aproxima do belo animal, toma-o pela rédea e começa a lhe fazer afagos. Nisso, atenta para as dicções que invadem de forma abrupta sua zona de conforto.

 

Encontrarás em teu grito a possível solução às tuas questões?

Então, resolutamente afirmo:

Fadigar-te-á diante de tal indecisão

Teu crepúsculo inibirá tua ação

Revoltado causará intriga ao teu nobre coração.

 

Perdes tempo reclamando ao teu dia a dia

Tua nobreza é medida pela sua irritação

Aceite suas batalhas com toda sua energia

E assim, na brevidade de um instante ouvirás uma suntuosa canção.

 

O cavaleiro atribulado pelas vozes que adentram sua humilde consciência; fita o horizonte arbustivo em posição contemplativa e profere:

 

E quem escuta minhas indagações?

E quem analisa meus lamentos?

E quem me responde com palavras apaziguadoras?

E se vós, solenemente, afirmas dessa maneira,

Então, desconheces meus duelos secretos ornados por falsas verdades.

 

Ele, o cavaleiro das sombras, inquieto, anda em círculos e observa a origem das respostas. E sem exalar qualquer suspiro profundo, administra o seu andar evitando o pisar sobre as folhas secas que repousam a sua volta. Procura total silencio desejando captar a origem de seu desafiador. Com os olhos abrilhantados e sem piscar, busca compreensão visual que justifique tamanha experiência carnal. Tem ciência de algumas Leis do Universo, contudo, carrega indagações quanto à constatação de fatos reais. Permanece ali aguardando a voz argumentadora. Observa que, conforme se desloca no círculo imaginário sobre as folhas, fica o registro de suas pegadas que afloram um círculo. Desembainha sua espada com a mão direita e coloca a ponta no centro do círculo. Traça uma linha do centro até a borda demarcatória do limite da circunferência por ele criada com os pés. A seguir, aviva a envoltória da circunferência. Nisso, percebe o raio do circulo. Ele se admira com a figura que resplandece diante de seus olhos. Ainda assim, fita ao seu redor demonstrando curiosidade em saber quem o revidara. Então, prossegue com outros verbetes.

 

Aqui estou ao centro deste circulo

Envolvido em meus questionamentos

E sem respostas do meu Eu

Assim sendo, encontrar-me-ei no limite da visão interna,

E ouvirei respostas que tanto procuro

Para ultrapassar o limite de minha limitação.

 

Desconheço a fundo a insondável profundidade de minha alma

Talvez um corredor sombrio como ponte

E julgo, que ao atravessá-la,

Atingirei alguma sabedoria

E libertar-me-ei dos pesadelos que me açoitam.

 

E outra resposta.

 

Engana-te cavaleiro por tal conclusão

Buscas compreensão sem nenhuma devoção

A tua mente conclui por fatos do imaginário

Sem ao menos perceber ou entender

Que estás preso a tua indagação.

 

E assim sendo, de bom grado, continuarei minha jornada sob outra visão.

Ele ajeita a sela do seu corcel, segura a rédea, monta e cavalga em direção ao Leste.

Rochainne

        Olá, Rochainne!

     Escrevo esta carta, entretanto não sei se terei coragem de enviá-la. Afinal, são palavras ou meras grafias sem intenções melodramáticas, mas com profundos sentimentos que expressam desabafos, lamentos e recordações.

        Bem, não sei se esta confissão é adequada neste momento, todavia creio ser oportuno ao dilema que me açoita. Você pode até concluir diante das indagações que sutilmente aqui exponho, porém não haverá a oportunidade da resposta correta, pelo menos, neste momento, é o que transparece. Lembre-se: é sua escolha, no entanto, existem marcas.

       Ainda hoje, pela manhã, diante do espelho enxergo as cicatrizes que não permitem esquecê-la. É minha cara, sou sua marca registrada.

     Será fantasia de uma realidade que me definha ou náufrago dos meus sonhos e desejos ardentes? Vasculho o meu ego incessantemente e incansavelmente não consigo respostas plausíveis.

        Acho que estou enlouquecendo porque conforme avanço nestas linhas e entrelinhas, eu me deparo com seu olhar libertino e sinto algo sem explicação penetrando pelas veias do meu corpo e acentuando meu batimento cardíaco. Neste agora, reações indescritíveis assaltam meu corpo fragilizado pela ausência de sua sedução.

     Ao instante de segundos, vem à lembrança suas carícias indecifráveis no ápice do diálogo dos nossos odores, consequentemente, minha mente induz a uma visão surreal transportando-me ao cume do delírio  que se materializa diante deste papel, transformando-o em uma tela. A seguir, visualizo você, eterna Rochainne, com uma matreira preguiça, deitada e seminua, exibindo sua silhueta através de movimentos harmoniosos e sensuais.

     Que droga! Esta ilusão me excita. Merda... Onde está você? Relembro os afagos e descontroles racionais dos nossos suores; viajo no túnel do tempo sem piedade da minha própria alma.

        Droga..., droga..., droga!

      Preciso me concentrar para raciocinar e ordenar as palavras, mas, infelizmente, sua simetria perfeita e provocante ressurge das sombras proporcionando ideias e sugestões que aos anjos não são permitidas. E hoje, nem a mim.

       Lembro, logo após os passeios, em nosso quarto, delicadamente e muito provocante, paulatinamente, você com seus longos cabelos castanhos claros, aquele batom em seus lábios com desafios impossíveis de conquistas. E, com efeito surpresa, peça por peça de suas roupas lentamente caíam ao chão e, assim, finalmente, descortinava-se um corpo artesanal abrilhantado pelos feixes luminosos dos meus olhos que acentuavam sua divindade carnal. Confesso minha timidez diante desta incontestável beleza coesa e natural.

       Eu não conseguia retirar o paletó. Estava preso à exposição tentadora e sublime onde cada movimento era registrado como uma filmagem sem cortes. Sorrateiramente, com seus segredos guardados a sete chaves, característica fundamental de uma deusa, aproximava-se do meu corpo com suspiros que me enfeitiçavam — aliás, até hoje me enfeitiçam e não há sentido omitir o que valeu a pena sentir.

     Carrego comigo as sensações de aconchego em seus braços embalando-me com frases loucas pelo desespero incontrolável do amor. Suas mãos deslizavam pela minha pele, pelo entorno de minha vulnerabilidade e me permitia ao prazer enigmático totalmente desconhecido.

      Posso mergulhar nas profundezas místicas e afirmar com veracidade: agora sei o caminho ao cordão de prata. Como dizem alguns estudiosos, “ele é a ligação do corpo com a alma e, enquanto estiver ali presente, a vida permanece”. Agora, até minha alma desfruta do mesmo prazer. Ela grita, chora e implora. Ainda está presa ao corpo porque você a alimenta.

        Talvez, com esta atitude, demonstro com clareza o quanto você preenche minha vida e, apesar deste afastamento aparente, o meu Eu se mantém hipnotizado pela sua presença, sorriso, encantamento. Sem hesitar, admito de forma avassaladora, que os meus lábios clamam o toque excitante e magistral do seu beijo.

      Rochainne, com estas junções de palavras afetivas, e em meio a nossos conflitos; compreendo sua atitude e procuro respeitá-la. Entretanto, agindo assim, subjuga o meu sentimento de forma egoísta sem valorizar os momentos de entrega entre nós. Então, questiono os sussurros em meus ouvidos com palavras mágicas proferidas carinhosamente ao longo da madrugada.

       Tenho a plena convicção de que não há como negar ou camuflar as nossas loucuras de amor, as pétalas de rosas e a alegoria fundamental: o vinho.

        Então, pergunto: até quando?

        Um beijo.

        Do seu eterno apaixonado e amante

        John

       Ele relê o texto, acaricia o papel como se fosse a pele de sua amada e, em silêncio, observa pelo vidro da janela a chuva mansa que irriga o horizonte. Logo a seguir, abre a gaveta de sua escrivaninha e pega um envelope. Dobra o papel de carta e, no momento que prepara para colocá-lo ali dentro, o telefone toca. Ele atende e apenas ouve. Instantes depois, John com palavras carinhosas, expressa:

       — Aceito. Vamos jantar e conversar. Beijos.

       Nisso, ele desliga, torna a pegar a carta já dobrada e, em tom suave, exclama:

       — Rochainne, você nem imagina o quanto me faz falta!

                   Conto "Rochainne" - Antologia Ardente & Caliente - Editora Illuminare - Edição Bilíngue

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